Judas, o traidor arrependido.
Estava acompanhando os festejos da Sexta-feira Santa por todo o país no noticiário noturno.
Como em todos os anos, as inúmeras encenações das horas finais de Jesus entre nós causa muita emoção. Não importa se é uma grande ou pequena produção, a história por si só garante a atenção do público. Uma história forte, sem dúvida.
Meus pensamentos voaram e me lembrei da minha infância, do quanto ficava triste com essa história. Me lembro que não conseguia entender por que as pessoas haviam feito aquilo com um homem que, segundo me disseram no catecismo, era tão bom, pregava o perdão, o amor ao próximo e a fraternidade entre os seres.
Mas uma parte dessa história chamava muito a atenção da minha mente infantil. E acontecia no Sábado de Aleluia: a “malhação do Judas”. Me lembro de perguntar à minha mãe, quando ainda era muito pequena, por que estavam batendo tanto naquele boneco. A imagem daquele boneco meio destroçado pendurado em um poste era assustadora para os meus olhos infantis.
Essa tradição de “malhar o Judas” é bem antiga e chegou aqui com os portugueses na época do Brasil Colônia. Ao longo dos anos foi adquirindo também, em certo lugares, um tom de protesto contra personalidades da política nacional. Apesar da mobilização em torno dessa festa antiga e tradicional do calendário dos festejos da Semana Santa, aquela sensação de desconforto da época da minha infância nunca me deixou. Durante todo esse tempo li várias vezes essa passagem bíblica. Não sei exatamente o motivo. A única coisa que posso afirmar é que sempre me faz refletir muito sobre nós, como “malhadores” do Judas.
É fato que Judas traiu Jesus. Jesus sabia que seria traído. Mas não há registros de que Jesus tenha incitado à violência ou uma punição tão severa àquele que seria seu traidor. Judas, por sua vez, em troca das 30 moedas, entrega seu Mestre para os seus algozes. Porém, em diversas versões da mesma passagem sentimos que ele não sabia exatamente o que esses algozes pretendiam e, ao se dar conta das prováveis consequências do seu ato, tenta voltar atrás e devolver o dinheiro. Mas já era tarde demais. Consumido pela culpa, pela dor e pelo desespero, toma a decisão de atentar contra a própria vida. Morre enforcado.
Uma história muito triste. Jesus, a personificação do amor, morre crucificado. E aquele que o entregou aos seus algozes enforca-se. Por anos e anos ouvi essa história sempre com destaque na traição. Confesso que sempre me incomodou. Não porque não ache cruel o que aconteceu. Não. Mas as violentas reações julgadoras ao comportamento de Judas sempre me causaram desconforto. Me lembro de debater o assunto com o meu irmão mais velho. Uma das minhas considerações feitas a ele na ocasião foi a de que Judas arrependeu-se do seu ato ainda em vida e o questionei se achava que Jesus não levaria isso em conta, já que sempre nos ensinou a perdoar. “Ele não disse a Pedro que deveríamos perdoar setenta vezes sete vezes”, indaguei. “Você acha que ele faria diferente nessa situação”, continuei. Silêncio. Ouvi uma outra voz. Era meu outro irmão me perguntando se eu estava defendendo Judas. “Não defendo o que ele fez. Só não quero passar dois mil anos condenando-o”, respondi. “Somos todos humanos e nos anos que passamos nesta terra, quantos erros cometemos? Uns grandes, outros pequenos. Já imaginaram se todos os dias fôssemos lembrados dos nossos erros e expostos em praça pública?” O debate foi encerrado. O almoço ia ser servido. O silêncio se fez presente. Cada um escutando seu próprio pensamento.
Lembrando desse episódio e presenciando mais uma vez a “malhação do Judas”, me peguei pensando em quantas situações corriqueiras do dia a dia agimos como Judas, traindo aqueles que nos são caros. Mas nós nos arrependemos de fato dos nossos atos equivocados e buscamos corrigir o que for possível? Podemos garantir que seremos sempre modelos de virtude em todas as situações? Um comentário nocivo sobre alguém pode ter consequências funestas para a vida da pessoa. Enfim, as situações do nosso dia a dia são as mais variadas e cada atitude que tomamos irá repercutir de alguma maneira na vida de outras pessoas, para o bem ou para o mal. Será que estamos mesmo preparados para sermos juízes implacáveis uns dos outros? Será que estamos preparados para sermos julgados por nossas atitudes de maneira tão contundente?
O que significa de fato “amar ao próximo como a si mesmo”? Ou “perdoar setenta vezes sete vezes”? Estamos preparados para isso? Dois mil anos se passaram, será que entendemos mesmo o que Jesus quis nos dizer? Me lembro de outra passagem do Evangelho que diz que “é mais fácil enxergar o argueiro no olho do próximo do que a trave no nosso”?
Sigo refletindo… Vamos refletir e ponderar juntos?
Excelente reflexão!