Cabelos brancos: ocultar ou mostrar?

Cheguei ao consultório do meu ginecologista para a consulta anual. Apesar da pandemia do Corona Vírus e o isolamento social, os cuidados com a saúde precisam ser mantidos, principalmente para quem, como eu, já passou dos cinquenta.

Ao entrar na sala de consulta, meu médico e amigo me surpreendeu com o questionamento: “que cabelo branco é esse, Fátima?”  Claro que eu tinha plena consciência dos meus tão presentes cabelos alvos, mas a surpresa dele me deixou intrigada. Ele disse que não gostava de cabelos brancos, porque achava que deixavam as mulheres com ar mais velho. Antes de conversar sobre os motivos dessa minha “opção”, ainda argumentei: “ué, mas você decidiu ficar careca quando a calvície chegou, por que tanta surpresa com os meus brancos?” Rimos juntos e seguimos com a consulta.

Bem, antes que eu siga contando por que este assunto voltou à minha mente, necessário se faz um pequeno prólogo. O primeiro fio de cabelo branco apareceu quando eu tinha quinze anos. Segundo comentários na família, eu e minha irmã mais velha viemos com essa característica genética. Certa época, na minha juventude, a moda era usar os cabelos com luzes ou reflexo. Nunca fiz. Os meus eram naturais. A moda passou e os brancos aumentavam gradativamente. Como nunca gostei de pintar, passei a usar henna, que segundo o cabeleireiro tratava e cobria os brancos. Funcionou durante anos, até que cheguei na tinta. Contra a minha vontade. Sempre gostei do meu cabelo como ele era em sua origem.

Com o passar dos anos, fui adquirindo alergia às tinturas e cada vez mais aumentava os intervalos das idas ao cabeleireiro. Há pouco mais de um ano, após me submeter a uma cirurgia e ter uma recuperação difícil, me distanciei mais ainda das tinturas. Quando me preparava para voltar a cobrir os cabelos brancos, veio a pandemia e o isolamento social. E cá estou eu sem pintar os cabelos há mais de um ano, seguindo as orientações sanitárias e protegendo a mim e a minha família cujos membros são do grupo de risco.

O assunto voltou à tona quando assisti a um vídeo da Cris Guerra fazendo uma crítica fina, educada e embasada a um vídeo do grupo de humor Porta dos Fundos. No vídeo, presenciávamos o tratamento infantil dado a mãe, de 57 anos, do personagem vivido por Fábio Porchat. Em meio as suas colocações, Cris Guerra comenta sobre os cabelos brancos e a escravidão da sociedade na busca pela juventude eterna, principalmente as mulheres, que são muito mais cobradas. Essa cobrança, segundo Cris Guerra (vale assistir ao vídeo), faz com que as pessoas se recusem a envelhecer e busquem alternativas que só aumentam o preconceito em relação a fase mais madura da vida.

Independente do vídeo, o fato é que o preconceito com quem está chegando, ou já chegou, à fase mais madura da vida existe sim. E a negação de muitos é real, o que dificulta o enfrentamento e a transformação do pensamento da sociedade em relação à velhice. E todos irão envelhecer, exceto aqueles que deixarem a vida mais cedo.

Mas e os cabelos brancos? O que fazer? Ocultá-los se torna, de fato, uma prisão? Exibi-los é sinal de libertação? Não tenho as respostas prontas, ou certas. Elas não existem. O que funciona para mim, pode não funcionar para o outro. Mas tenho algumas considerações. Gosto do meu cabelo original, aquele que tenho guardado na minha memória, castanho bem claro. Mas será que esse cabelo é o meu original de hoje? Será que a manutenção dessa memória tão ativa não é também uma negação? Talvez. Não sei. Tudo bem que os brancos chegaram bem mais cedo do que deveriam para mim, mas depois de um ano vendo-os despontar mais e mais a cada dia, me pego pensando se eles não são agora o MEU cabelo original. Original da minha maturidade.

Enfim, tenho exibido dia a dia os sinais dos meus cinquenta e cinco anos, sem filtro, sem maquiagem e agora sem os cabelos pintados. Se não vou pintar mais? Não sei. Não quero e não tenho que pensar nisso agora. Esse é o grande “lance” desse momento da vida. Somos livres para escolher o que nos faz bem. Mas, especialmente, neste momento, minha maior preocupação é a minha saúde e a dos meus familiares. Se ir ao cabeleireiro pode significar prejudicá-los, abro mão sem problemas, sem traumas, sem amarras.

 

Acordando em um domingo de preguiça e descanso.

 

Você pode até estar se perguntando, caso eu decida por pintar os cabelos, por que não faço isso em casa. Imagina uma pessoa que mal sabe maquiar-se, pintar o cabelo seria um verdadeiro desastre! Melhor deixar “a vida me levar” até que o momento seja seguro para mudar de opinião a esse respeito.

 

Links mencionados:

Porta dos Fundos: https://youtu.be/E2pSmNUhkfQ

Cris Guerra: https://youtu.be/8FbEVSyaRcQ

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