A Caça
Uma amiga me sugeriu que assistisse a um filme considerado por ela muito interessante. Perguntei do que se tratava. “Pedofilia”, definiu ela. “Tema delicado”, argumentei. “Muito, mas sei que você vai gostar, principalmente porque nós estamos sempre atentas as injustiças”, incentivou.
Era domingo. Dia de folga. Então, decidi separar um pedacinho do meu atribulado dia de “folga” para assistir ao filme. Não me arrependi. Gostei muito da história, principalmente pelas reflexões que a trama desencadeia e são essas impressões que gostaria de compartilhar com vocês.
“A caça” é um filme dinamarquês, co-produzido pela Suécia e que estreou em Cannes, em 2012, arrebatando o prêmio de melhor ator para Mads Mikkelsen, que interpreta Lucas, um dos monitores da creche local, acusado injustamente de abuso sexual.
Mads Mikkelsen, prêmio de melhor ator em Cannes. |
Até aí parece mais um filme onde veremos o personagem central ser massacrado e protagonizar um destino sombrio. Mas o filme é muito mais que isso. Com uma narrativa mais lenta, sutil, que prioriza o detalhe, o olhar, o filme vai inserindo o telespectador no universo do cuidadoso e afetuoso monitor da creche, que vive um dilema pessoal após o conturbado divórcio. A relação com a ex-mulher é turbulenta e parece carregada de mágoas, mas o motivo da separação não fica muito claro ao longo da história e essa relação difícil confunde o telespectador sobre o caráter de Lucas. Mas só durante um tempo, já que logo em seguida, o filho adolescente decide ir morar com o pai, o que reforça a característica do bom relacionamento que Lucas mantém com crianças e adolescentes. É justamente nesse momento de felicidade para o protagonista, que a denúncia do abuso vem à tona.
Lucas mantém uma “amizade” mais próxima com a pequena Klara, filha do seu melhor amigo, que presencia constantemente brigas entre seus pais, o que a faz se aproximar do atencioso monitor. Todo o tempo percebemos o tratamento adequado que Lucas dá a criança, mas em dado momento ela se aborrece por ele tê-la repreendido, mesmo carinhosamente, e acaba contando uma história de “abuso” baseada em cenas de um filme erótico, mostrado a ela por seu irmão adolescente.
A partir daí, a vida de Lucas vira um verdadeiro inferno na terra.
A pequena Klara é repreendida pelo “amigo”. |
O que me chamou muito a atenção no filme foi a questão do pré-julgamento. Como podemos acabar com a vida de alguém do dia para a noite, apenas por condenarmos antes mesmo de nos certificarmos e investigarmos criteriosamente. O filme estabelece a ação em uma pequena comunidade, agora imaginem vocês, o efeito que um pré-julgamento pode causar em um mundo globalizado como o nosso, onde as redes sociais são capazes de disseminar uma informação, seja ela falsa ou verdadeira, em segundos.
O que mais incomoda no filme é que qualquer um de nós pode agir como aquelas pessoas da história, principalmente porque a situação apresentada envolve personagens tão frágeis como as crianças. Que pai ou mãe não pensaria em “destruir” alguém capaz de fazer maldades com os seus filhos? Quantos casos temos tido notícia de que as pessoas fizeram “justiça” com as próprias mãos? Inúmeros. Mas as instituições existem para isso, certo? Mas será que as pessoas responsáveis por cuidar desses assuntos estão mesmo preparadas para tal função? Será que nós estamos preparados para aguardar o desfecho das investigações de casos como esse? Até que ponto a palavra de uma criança deve prevalecer? Qual seria o limite? Quem poderia atestar melhor o que é real e o que é fantasia de criança?
Questões difíceis, não é mesmo? E o filme mexe com todas elas. Ninguém fica imune ao conteúdo exposto na trama. Ninguém.
Confronto de olhares entre os antigos amigos. |
Vale a pena assistir. Mas o desfecho deixa uma dúvida. Será que o personagem conseguiu ser inocentado no interior do coração das pessoas e não apenas pela justiça? Será que ele mesmo se sentiu inocentado pelas pessoas do lugar? Ou será que ele nunca vai conseguir se livrar do trauma de ter sido perseguido injustamente? A cena final é imperdível!
Se puderem, assistam. E me contem se conseguiram encontrar todas as respostas.
Bom filme!
Perfeito comentário!
Vou assistir! Depois comento, sim!
Bom dia Fátima!
Também vi esse filme…..
Assisti ao filme. Muito bom, também muito angustiante. Na minha opinião, ele não conseguiu ser inocentado no coração de todos. Basta ver os olhares das pessoas em volta. Os sorrisos amarelos, sempre com uma ponta de dúvida no canto dos semblantes. É angustiante, pois vemos um problema em potencial (algo que inicialmente pode nem ser um problema) ganhar uma monta tal que acaba virando um problema real e saindo totalmente do controle. A histeria coletiva é uma coisa muito perigosa. Testemunhamos cenas grotescas no nosso dia a dia por conta disso. Sem percebermos, fazemos prejulgamentos e, se não formos cuidadosos e diligentes, podemos facilmente cair nessa armadilha que a própria sociedade cria. A cena final, na minha opinião vem a corroborar isso. Não quero ser spoiler aqui. Não posso contar, mas nesse momento é dada a pá de cal nessa dúvida.
O filme é ótimo. Coisa de europeu, mesmo. Super recomendo!